POR MARCOS FERNANDO KIRST
Libriano, natural de Júlio de Castilhos, escritor e artista plástico, Valdir dos Santos debruça seu olhar artístico sobre as nuances da vida a partir de Caxias do Sul há mais de meio século. Mudou-se para a “Pérola das Colônias” na década de 1970, ainda criança, acompanhando a trajetória de vida protagonizada pelos pais e irmãos.
Aqui, já adulto, integrou a equipe de Assessoria de Comunicação da Universidade de Caxias do Sul, desempenhando funções nos setores de criação, planejamento e logística de eventos. Colaborou com vários jornais de Caxias do Sul e de Porto Alegre, ao longo dos anos.
Atento, sensível, culto, informado e perspicaz, logo encontrou seu espaço na cidade e foi emaranhando sua alma e seu talento com as formas de expressão artística nas quais melhor transita: a escrita e as artes plásticas. No primeiro quesito, sustenta a primazia de ser o maior ganhador de prêmios na história do Concurso Anual Literário de Caxias do Sul, promovido pela Biblioteca Pública Municipal ininterruptamente desde o ano de 1967. Entre contos, crônicas e poesias, incluindo menções honrosas, seu nome figura nada menos do que 28 vezes na listagem de todos os ganhadores até 2020. É o recordista incontestável.
No segundo quesito, tem no currículo participação, com obras de sua autoria, em mais de 30 mostras coletivas e individuais. Utiliza diferentes técnicas de pintura, de acordo com a motivação que o tema lhe inspira, demonstrando domínio técnico, talento e marca própria também nessa seara artística.
Apesar dessa performance única no campo da literatura em Caxias do Sul, Valdir segue inédito em publicação de obra solo. Seus textos podem ser lidos somente por quem buscar as antologias reunindo os trabalhos dos vencedores do Concurso Anual Literário, ou, eventualmente, em alguma publicação que faz de surpresa em suas redes sociais. Em 1998, participou com oito poemas da antologia intitulada “Matrícula Dois”, produzida pela Secretaria Municipal da Cultura de Caxias do Sul, reunindo dez nomes expressivos da poesia praticada na cidade naquela época. Essa economia no apresentar não rima, no entanto, com o volume e o ritmo da profusão de sua criação.
Valdir escreve, e muito. Possui, entre seus originais inéditos, material para a publicação de dez livros de poemas temáticos, totalizando cerca de 500 textos. Além disso, represa também 50 contos que, reunidos e publicados, formariam uma edição de leitura saborosa. “Escrevo primordialmente à noite, varando a madrugada, em jorros criativos, especialmente quando produzo poesia, esgotando um tema específico, que vou especulando e interferindo com minha literatura”, explica o poeta.
Com exclusividade para o site, Valdir dos Santos generosamente liberou a publicação, em primeira mão, de alguns poemas inéditos integrantes do volume batizado como “Verdades”, que o leitor pode saborear a seguir.
INCRIMINAÇÃO - 4
Não tenho a fala
nem sou como um lamento tardio
de quem se sabe estrela vazia
no céu de ontem à noite,
mas de quem se sabe noite
nessas noites intermináveis
e abafadas de verão
escreverei cada emoção
e esperarei que, talvez em algum ponto,
desse universo azul em que nos perdemos
um do outro
encontraremos um outro céu
que seja um céu à espera
não apenas de outras palavras
e de outras ternuras e tristezas
inventadas para nos ferir mutuamente
mas de outras marcas na alma
vividas sob um céu azul
de noite esquecida no verão
dessas noites azuis e mudas
sob esse céu povoado de novas estrelas
distantes e frias umas das outras
como tantas outras estrelas.
INCRIMINAÇÃO – 6
Nenhum santo abençoa o amanhecer
ou este dia de sombras e olhares furtivos
em que os calendários perpétuos se confundem
com memórias clandestinas,
anotadas nos missais e nos cadernos
de contas perdidas dos armazéns.
Mesmo inúteis,
o homem dos números,
conta e reconta seus saldos e lucros e perdas
milhares de vezes os mesmos números
sem perceber que, num canto do jornal,
os números se transformam
em sinais e senhas
de cofres sabotados
e de tesouros
que nem todos os potes
no fim do arco-íris
ousam imaginar.
INCRIMINAÇÃO – 18
São de aço e mel as comportas
do vale de lágrimas
e irreais as quimeras e polifonias
rudemente marteladas
nos conservatórios musicais
e nos discos arranhados
das discotecas em memória de alguém
são temperadas com sal
as lâminas das guilhotinas
e as bordas das cartas perfumadas
enviadas pelos voluntários de guerra
às mulheres perdidas
encontradas nas esquinas
e nas salas de encontros virtuais
cartas que sonham amores
que nunca serão.