POR SILVANA TOAZZA
Deisi da Costa conquistou em dezembro o título de Melhor Sommelier do Rio Grande do Sul, em concurso com prova prática promovido de forma inédita pela seccional gaúcha da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-RS).
Radicada em Bento Gonçalves há 10 anos, a profissional é natural de Sapiranga (RS). Teve uma epifania de nova carreira ao provar um cálice de vinho com os colegas. Em 2011, não teve dúvidas: abandonou a faculdade de psicologia para inebriar-se nesse inesgotável mundo de conhecimento enológico.
Além do título de Melhor Sommelier do Rio Grande do Sul, Deisi será preparada pela ABS-RS para participar do concurso de Melhor Sommelier do Brasil, em 2022, e ganhará passagens e a hospedagem para a competição nacional. No total, os prêmios para a campeã alcançaram um valor superior a R$ 10 mil.
“É muito emocionante. Eu sonhava com isso há muito tempo, admirava as competições dos outros estados, e agora temos o concurso no Rio Grande do Sul. Esse título tem um valor muito grande na minha carreira, por ser valorizada e abrir esse caminho, inspirando outras mulheres”, celebra Deisi da Costa.
A seguir, leia sem moderação a entrevista exclusiva concedida ao site por essa profissional apaixonada pelo que faz:
Como foi a reação ao conquistar o título de Melhor Sommelier do Rio Grande do Sul, da ABS-RS?
Foi uma confirmação de que estou no caminho certo. Ufa! (risos). Sinceramente, eu nunca esperei ganhar, tanto no concurso, em que disputei provas teórica e prática ao lado de grandes profissionais, quanto na eleição de 2019, em que os internautas me escolheram como a melhor profissional da área do Estado. Em todas as vezes, competi com excelentes colegas, ou seja, confio muito no potencial deles. Mas sempre que entro numa competição, com certeza, todos nós entramos para ganhar. Ninguém entra para perder. Foi o meu primeiro concurso de sommelier. Teve frio na barriga, suspense e, sem dúvidas, foi o momento mais marcante da minha carreira até hoje. Sou grata à ABS-RS por trazer o concurso para o nosso Estado (a competição foi no Vale dos Vinhedos). Isso fomenta ainda mais o espaço do sommelier, que precisa urgentemente de maior valorização em um setor tão promissor e em desenvolvimento.
Quais as credenciais que te levaram ao reconhecimento?
Muito estudo e disciplina. Desde que entrei no mundo do vinho (em 2011, eu saí da faculdade de psicologia e mudei para o vinho), sempre fui muito intensa na disciplina do estudo. Viajei à Europa, morei em alguns países e tudo isso em busca do vinho. Sempre que eu voltava ao Brasil, inventava algo que pudesse me manter imersa no universo vitivinícola, no setor e conhecendo pessoas da área. A intensidade com que eu vivo no meio profissional é assustadora (risos). Se é para ser, que seja inusitado, sempre.
Onde atua hoje e quais tuas experiências na área?
Hoje tenho minha empresa de assessoria, a SOMMDE. Eu trabalho através de contratos, palestras, aulas e degustações. Além disso, dou aula online no meu projeto Vinhos in English, que foi meu ganha-pão no período mais crítico da pandemia. Vinhos in English é o meu xodó. O projeto é voltado para quem quer aprender sobre vinhos através da língua inglesa. E, no momento, estou na Expedição Cultural Vou de Vinho (@voudevinhooficial), ao lado da minha sócia Michele Zanella Cordeiro, viajando pelo Brasil para visitar 100 vinícolas. Estamos escrevendo um livro de vinhos nacionais, in loco, a partir dessa experiência inédita no Brasil. Em maio de 2022, terminaremos a Expedição e pretendo voltar com as atividades da assessoria SOMMDE.
Que atributos uma sommelier reconhecida precisa ter?
Humildade: lembrar que, diante do mar de vinhos, quanto mais estudamos, menos vejo que sabemos. Há muito a se aprender!
Disciplina: estudar, estudar, estudar. É preciso manter o foco no aprimoramento constante.
Coerência: não misturar paladar pessoal com paladar profissional.
Mente aberta para diversas ramificações na área: o sommelier não é mais apenas o cara do salão do restaurante. É preciso saber atuar neste leque de opções da profissão.
Quando começou a se interessar pelo universo vitivinícola e de que forma se preparou para executar o ofício?
Iniciei em 2011, quando recém tinha entrado na graduação de psicologia, ainda na minha cidade-natal, Sapiranga. No 25º dia em que estava cursando, bebi uma taça de vinho com alguns colegas e aquilo foi suficiente para eu chegar em casa de madrugada e pesquisar o que era vinho. Em poucos dias, larguei tudo em Sapiranga e me mudei para Bento Gonçalves em busca de estudo e trabalho na área. Literalmente, arrumei uma mala, peguei minha moto e uns livros e cheguei em Bento Gonçalves sem nem saber o que eram uvas brancas e tintas (risos). Foi hilário e intenso! Comecei a estudar, investir no mundo, em países e feiras e até hoje não parei.
Qual o vinho que bebeu e te fez mudar de vida?
Era um vinho tinto da uva Carménère do produtor chileno Casa Silva. Eu havia ganhado a garrafa do meu ex-sogro, Seu Roberto, e abri com uns amigos.
Para o público leigo, explique quais as competências de uma sommelier?
O sommelier sempre foi o responsável pelas bebidas no restaurante. Aliás, todas as bebidas, e não somente o vinho. No restaurante, entre as competências, estão as de treinar a equipe de garçons, harmonizar os pratos do menu, ajudar a escolher os pratos do cardápio e, claro, mudar a carta de vinhos de tempo em tempo. Mas hoje em dia o sommelier não está apenas no salão. Ele pode estar numa loja de vinhos, no varejo da vinícola, numa importadora, dar aulas numa escola, palestrar e realizar degustações para empresas e grupos, por exemplo. São diversas ramificações. Um sommelier precisa estudar sem parar e praticar sem ter medo.
Esse mercado vem crescendo no país ou ainda tem muito a avançar?
Sim, estamos crescendo cada dia mais e, ao mesmo tempo, temos muito a fazer. Dentro do mundo do sommelier há uma infinita lista de atividades, como citei acima. Logo, é um mercado promissor. Coincidentemente, no país, a profissão está caminhando juntamente com a construção do mercado de vinho brasileiro. Podemos levantar uma taça para brindar tudo o que já conquistamos como setor, mas nunca esquecendo que falta muito, muito mesmo. Desde o sommelier com carreira na prática, que coloca a mão na massa (ou melhor, na bandeja), até o proprietário do estabelecimento que precisa entender a importância de um sommelier qualificado no local. A presença de um profissional não ajuda apenas no bom serviço da bebida, ele ajuda a incrementar também o faturamento do negócio.
Você participará do concurso nacional. Qual será a preparação?
Muito estudo e, o mais importante, a revisão. Estudar vinhos é passar a vida toda estudando a “França” novamente. É repetir e repetir. E para o concurso nacional vou precisar achar um curso de Controle de Ansiedade ou solicitar o acompanhamento de um cardiologista (risos).
Brincadeiras à parte, sim, exige muito estudo e degustações para relembrar e memorizar mais um pouco. Além disso, terei o acompanhamento da ABS-RS durante a preparação.
Existem truques e regras para harmonizar pratos com vinhos, ou o gosto individual pesa mais?
No vinho existe a subjetividade, que está cada dia mais explícita. Porém, há algo que sou apaixonada e por isso tento estudar tanto, a ciência do vinho. Ou seja, os fatos com um porquê, com um sentido mais “científico”. Apesar de existirem inúmeras regras, na harmonização, classifico como duas categorias gerais para quem quer começar:
Harmonize do jeito que puder e quiser, com o que tem em casa. E seja feliz! Isso é divertido. Eu mesma faço muito disso em casa, para brincar e ousar. Claro que, em um jantar harmonizado, não posso sair brincando assim com o prato do cliente, portanto, seguimos o gabarito de analisar temperos, textura, peso e etc... Eu, geralmente, escolho o prato primeiro para depois combinar com o vinho, pois desde criança temos mais conhecimento de comida do que bebidas.
Harmonização pela lógica e regras básicas: pratos leves com vinhos leves e refrescantes, médio com médio e, finalmente, pratos mais condimentados com vinhos mais potentes e robustos. Isso é o básico e dentro dele podemos ousar nos detalhes.
Qual a sua avaliação sobre o mercado de vinhos brasileiro?
O vinho brasileiro está conquistando um espaço incrível em um curto tempo. Confesso que nunca vi isso em outro país, de forma tão rápida. Isso é ótimo, pois temos um futuro promissor, já que o brasileiro finalmente entendeu que temos qualidade. E, realmente, é cada surpresa que provamos dia após dia, que o brilho no olho aumenta. Mas aqui também deixo o recado de uma sommelier que sempre aciona as antenas. Muito cuidado, o Brasil tem vinhos excelentes, mas tem também muito a melhorar. Não podemos, de forma alguma, nos iludir que todos os vinhos brasileiros são excepcionais, como dizem os posts do Instagram (risos). Vamos com calma, pisando com cuidado para chegar mais longe.
Cite uma bebida da Serra que te surpreendeu recentemente?
São vários os estilos, mas confesso que uma categoria que vem ganhando o meu coração são os nossos vinhos licorosos (fortificados), doces e queridinhos para uma bela sobremesa. Eu sempre invejei os países com seus grandes vinhos de sobremesa, como Espanha, Itália e França. E hoje, quando eu recebo um estrangeiro em minha casa, minha emoção é mostrar um vinho licoroso nacional. Deixo como sugestão aos leitores dois gigantes da Serra Gaúcha: o vinho Cave Antiga Licoroso de uva moscato da safra 1999 e o Don Affonso Licoroso. São vinhos que nos fazem perder o fôlego.
Quais tuas ambições futuras?
Tornar o Brasil um país gabarito na educação do vinho, ter profissionais de ponta e ter um público sábio. Para mim, cultura do vinho não é aumentar o consumo per capita no país, mas tornar o vinho uma bebida popular e com conteúdo. A minha preocupação sempre foi fazer com que o vinho agregasse cultura, história e sede de mundo na vida das pessoas. Eu acredito que vai além de abrir uma garrafa e sair bebendo só por beber.