POR MARCOS MANTOVANI
(Especial para o Portal)
Na vida, assim como na jardinagem, nem tudo são flores. Esse poderia ser o slogan do jardineiro Eduardo Constantini de Azevedo. As flores, na verdade, estão bem longe dele neste momento, já que, após o ciclo de experiência de um mês ajardinando por uma empresa do setor, ele não conseguiu manter a vaga.
Esse revés gerou um vazio, uma privação identitária até, porque em pouco tempo Eduardo já estava se reconhecendo como jardineiro, como superintendente de plantas, raízes e floreados. Ele saía pela manhã do bairro Vinhedos para dedicar seu dia ao plantio, à poda e à roçagem em empresas e condomínios de Caxias, sempre com a perspectiva de se firmar nessa ocupação.
Não deu certo. Pelo menos não por enquanto. Então a alternativa de sobrevivência é se virar temporariamente com o que estiver à mão. E o que está à mão nos últimos dias é vender torrone (espécie de barra soft de amendoim) em dois semáforos da Moreira César, no centro.
São nesses dois territórios caxienses que, tanto nos dias faceiros quanto nos tristes, com firmeza ou preguiça, Eduardo vem batalhando para lucrar 940 reais até o dia 7 de maio. Por quê? Talvez antes seja bom recuarmos um pouco na cronologia pessoal dele.
baque, omissão, abandono
Aos 14 anos, dentro de um tipo de roteiro que se vê muito na Netflix e também na vida verdadeira, o cotidiano de Eduardo levou um baque. Ele disse sim ao que alguns conhecidos ofereceram e, a partir dali, certas drogas passaram a ser o único consolo disponível contra o tédio, o desânimo e a aspereza dos dias cinzas. Sair do ar para não sentir.
Os pais notaram. E a mãe tomou a iniciativa de levar o filho a um centro religioso. Só que a mãe, por motivos que não ficam muito evidentes, em vez de exigir que Eduardo permanecesse ao seu lado durante as horas passadas lá, deixou que o filho se enturmasse com um pessoal trevoso que se articulava na camufla, a poucos metros do local do culto. Daí que a questão das drogas não se resolveu.
No mesmo ano, por outras razões, a mãe dele saiu de casa com destino a Santa Catarina, para nunca mais voltar. Não muito depois, o pai também sairia, deixando que a gerência do lar ficasse sob supervisão exclusiva de Eduardo e da irmã, que seguiram em frente com uma gestão doméstica improvisada. Mas é importante dizer que o filho recuperaria laços com o pai, inclusive meio que homenageando-o com uma tatuagem (o sobrenome paterno) que se espicha de um lado ao outro do peito — tattoo feita na parceria por um parceiro argentino chamado Alejandro.
perambulações, apóstolos, hotel
A certa altura, devido a incompatibilidades, só a irmã de Eduardo permaneceu na casa da família. Por escolha própria, ele ficou sem um teto para si, passando várias noites ao ar livre: livre para amadurecer da forma mais dura que existe. “Eu perambulava”, diz. E revela que, no fim dessa fase doída do seu destino, acabou internado numa clínica para se limpar das drogas que ele consumia.
Em algum período depois da internação, dois amigos porto-alegrenses com nomes de apóstolos (Felipe e Tiago) deram uma ideia promissora, fora da curva até, algo que caiu como uma luva para Eduardo. “Se tu quiser, a gente te ensina a vender torrone no semáforo”, disseram os apóstolos.
E assim foi feito, com algumas horas de treinamentos teóricos e práticos nas ruas do centro. Como consequência, com o passar das semanas, essas vendas de torrone permitiram que Eduardo, em muitas noites, trocasse a rua por um quartinho miúdo (sem frigobar) em um democrático hotel bem localizado. A má fase estava perdendo força.
Gabriela, fraldas, jardim
Olhando a foto no WhatsApp, dá para notar na hora que Gabriela, 18 anos, está com uma barriga de seis meses. Ela e Eduardo estão esperando a chegada de Noah — nome escolhido por causa do youtuber Lucas Lira, que é pai de um menino chamado Noah. Eduardo ficou sabendo da gravidez da namorada durante uma noite em que ele estava dormindo sozinho no hotel. Desceu até a recepção para atender ao telefonema e, quando piscou os olhos, a vida já não era mais a mesma.
O chá de fraldas está agendado para o dia 7 de maio. Até lá, a missão de Eduardo é lucrar 940 reais (800 para quitar os salgados, 140 para quitar as lembrancinhas). “Vai dar”, ele diz. Assim como vai dar para o casal e o pequeno Noah morarem nos fundos da casa da avó de Eduardo, dona Teresinha, que está engajada na tarefa de acolher a chegada do bisneto.
Noah, Gabriela, Teresinha. Na vida pessoal, o jovem jardineiro tem hoje essas três flores especiais para cuidar, proteger. Já na vida profissional, se não pintar uma vaga em algum outro setor, o que está faltando agora é uma chance para Eduardo se reinserir no ramo da jardinagem e achar um novo jardim. Ter nas mãos um borrifador, uma tesoura, um sacho, um rastelo. Ter nas mãos o comando da própria sorte. É pouco, é muito.