Leon Eliachar (1922 – 1987) foi um dos mais afamados cronistas do Brasil, apesar de ter nascido no Egito (migrou para cá ainda criança). Jornalista atuante no Rio de Janeiro, pontilhava com humor os seus textos, em estilo inconfundível. Fez muito sucesso trabalhando na imprensa carioca nas décadas de 1950 a 1980.
Foi assassinado em 29 de maio de 1987, a mando de um rico fazendeiro paranaense, com cuja esposa o cronista vinha pretensamente mantendo um romance. Morreu, portanto, de amor crônico.
Resgatamos, em sua homenagem, esta brilhante autobiografia, publicada no livro “O Homem ao Quadrado” (Rio de Janeiro, 1960):
POR ALTO, BIOGRAFIA
Por Leon Eliachar
Nasci no Cairo, fui criado no Rio; sou, portanto, "cairoca". Tenho cabelos castanhos, cada vez menos castanhos e menos cabelos. Um metro e 71 de altura, 64 de peso, 84 de tórax (respirando, 91), 70 de cintura e 6,5 de barriga.
Em 1492, Colombo descobriu a América; em 1922, a América me descobriu. Sou brasileiro desde que cheguei (aos 10 meses de idade), mas oficialmente, há uns dois anos; passei 35 anos tratando da naturalização. Minha carreira de criança começou quando quebrei a cabeça, aos dois anos de idade; minha carreira de adulto, quando comecei a fazer humorismo (passei a quebrar a cabeça diariamente).
Tive vários empregos: ajudante de balcão, ajudante de escritório, ajudante de diretor de cinema, ajudante de diretor de revista, ajudante de diretor de jornal. Um dia resolvi ajudar a mim mesmo sem a humilhação de ingressar na Política: comecei a fazer gracinhas fora da Câmara. Nunca me dei melhor.
Meu maior sonho é ter uma casa de campo com piscina, um iate, um apartamento duplex, um corpo de secretárias, um helicóptero, uma conta no banco, uma praia particular e um "short". Por enquanto já tenho o "short".
Sou a favor do divórcio, a favor do desquite e a favor do casamento. Sem ser a favor deste último, não poderia ser dos primeiros. Sou contra o jogo, o roubo, a corrupção e o golpe; se eu fosse candidato, isso não deixaria de ser um grande golpe.
O que mais adoro: escrever cartas. O que mais detesto: pô-las no Correio. Minha cor preferida é a morena, algumas vezes a loura. Meu prato predileto é o prato fundo. O que mais aprecio nos homens: suas mulheres; e, nas mulheres, as próprias. Acho a pena de morte uma pena.
Não sou superticioso, mas por via das dúvidas, evito o "s" depois do "r" nessa palavra. Se não fosse o que sou, gostaria de ser humorista. Trabalho 20 horas por dia, mas, felizmente, só uma vez por semana; nos outros dias, passo o tempo recusando propostas - inclusive de casamento. Acho que a mulher ideal é a que gosta da gente como a gente gostaria que ela gostasse - isso se a gente gostasse dela. Para a mulher, o homem ideal é o que quer casar. Mas deixa de ser ideal logo depois do casamento, quando o ideal seria que não deixasse. Mas isso não impede que eu seja, algum dia, um homem ideal.