Caxias do Sul 04/12/2024

As pandemias na literatura

Escritores têm usado o pano de fundo da tragédia das "pestes" para produzir obras clássicas, que advertem
Produzido por Marcos Fernando Kirst, 18/03/2020 às 10:10:12
As pandemias na literatura
Visão apocalíptica da Peste pelo pintor belga Pieter Bruegel (1525 - 1569)
Foto: DIVULGAÇÃO

POR: Marcos Fernando Kirst

Pandemias como esta do coronavírus, que estamos vivenciando no planeta todo, não são novidade e nem raras na história da humanidade. O que choca é a violência da necessidade de transmutação urgente e radical do cotidiano em vistas a enfrentar e amenizar a propagação da transmissão do vírus e debelar seus efeitos, minimizando riscos e mortes. Os livros são repletos de obras cujos cenários têm como pano de fundo esses momentos traumáticos causados por aquilo que se convencionou, no passado, a cunhar como “peste”.

O escritor italiano Giovanni Boccaccio (1313 - 1375), por exemplo, se vale da terrível peste que assolou a Itália no ano de 1348 para tecer a linha condutora de sua obra máxima, o “Decamerão”. Nela, um grupo de dez jovens florentinos (sete moças e três rapazes) decide se autoenclausurar dentro de um castelo abandonado nos arredores de Florença (cidade altamente assolada pelo morticínio causado pela doença) para vivenciar uma quarentena que os colocaria a salvo. Para passar o tempo, inventam um jogo baseado na narração alternada de histórias e contos temáticos, ao longo de dez dias (daí o termo “decamerão). Como são dez os narradores, o livro é composto por um total de cem contos medievais compilados e inventados por Boccaccio. O final da história é feliz, resultando em dez alegres sobreviventes satisfeitos com o compartilhar de excelentes narrativas, e, o principal, vivos e saudáveis.

Já o escritor, jornalista e biógrafo inglês Daniel Defoe (1660 - 1731), cuja vasta obra legada à posteridade inclui os afamados “Robinson Crusoé” e “Moll Flanders”, dedicou-se a produzir um extenso e detalhado relato dos efeitos da famosa “Grande Peste” sobre Londres, ocorrida em 1665. “O Diário do Ano da Peste” é rico em detalhes sociais, econômicos e humanos a respeito do que foi o caos instalado na grande metrópole mundial durante a vigência da praga (a peste bubônica, transmitida por pulgas que infestavam os ratos, também populosos habitantes da cidade) que dizimou 68.590 vidas.

A adoção de medidas aparentemente radicais de controle, de cerceamento de aglomerações e de enclausuramento dentro de casa, minimizando o contato humano, é a mais eficaz arma que se possui para evitar a repetição das tragédias históricas relatadas nos livros e jornais antigos. O aparente exagero das medidas pode, sim, ser a medida certa para o evitar da catástrofe. Não desejamos a necessidade de um novo relato a la Daniel Defoe para entrarmos para a História. Podemos entrar nela pela porta da frente, mostrando que aprendemos as lições do passado e sabemos usar seus exemplos para transformar para melhor o presente e o nosso futuro.