Por PAULO DAMIN
Esses tempos falei do Dalton Trevisan AQUI. Falei que ele só lia Machado de Assis desde que ficou viúvo, e que em Caxias teria feito sucesso com esse sobrenome.
Pois o Dalton, agora, enviuvou todos os contistas da nação.
Imagino que muitos leitores brasileiros tenham uma experiência pra contar sobre o Dalton Trevisan. Se tu nunca leu ou nunca ouviu falar, ainda dá tempo. Mesmo que tu mesmo esteja morrendo, porque a literatura do Dalton Trevisan tinha exatamente esta virtude: dava pra ler inclusive segundos antes de morrer.
É que o Dalton só escrevia texto curto. E tinha essa mania de nunca passar batido pela gente.
Não vou dizer por quê. Cada um tem o seu. Que nem cotovelo. Alguns inclusive têm dois.
Só vou contar uma experiência contável a esta hora da manhã, indigna das amoralidades que o Dalton registrou com tanta síncope nos contos dele. Foi assim:
Numa tarde de jovem tédio, entrei numa biblioteca e vi um livrinho do Dalton que se chamava 99 corruíras nanicas. Era um troço assim tão simples, 99 textinhos sobre aquelas coisas lá que eu não vou falar aqui. Coisas hoje totalmente fora de moda, embora continuem acontecendo em qualquer bairro, nas melhores famílias. Mas me chamou atenção sobretudo a forma: 99 continhos. Quer dizer que não precisa escrever 500 páginas pra fazer um livro?
Era o que o Dalton tinha de marcante mesmo, ir cortando. Cortava pelo conteúdo, ao tratar de assuntos delicados. Cortava pela forma ao cortar as próprias frases, deixando tudo meio sem molho, sintético, sem ar.
O pessoal que gosta, ou gostava (aposto que tem gente aí com receio de falar que gosta dele hoje em dia), o maior elogio sobre o Dalton era “precisão”. Ah, porque ele usa a palavra exata, o Dalton sim que é preciso. E eu retrucava: o lance do Dalton é que ele corta demais. Ele não é o mestre da palavra justa; ele é o verdugo da palavra justa!
O que me irritava era o excesso. O Dalton era obcecado por rever os próprios contos, essa é a impressão que me dá. O que sim tem seu lado bom: ele serve pra aprender a revisar texto. Ou, pelo menos, nos ensina a cortar sem piedade.
Agora o Dalton Trevisan morreu com 99 corruíras. Não com 100.
Pra ver como ele cortou a palavra justa até na hora de morrer.
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.