POR MARCOS FERNANDO KIRST
“A Cocanha”, livro do escritor serrano José Clemente Pozenato (1938 – 2024) que dá início cronológico à sua “trilogia da imigração” (composta também por “O Quatrilho” e “A Babilônia”), ganhou tradução para a língua italiana e terá sessão de lançamento nesta quarta-feira, 26 de fevereiro, na região do Vêneto, na Itália. “La Cuccagna”, traduzido pelo italiano Antonio Porcellato, sai em edição de 500 exemplares pela Imprimenda Editrice, editora sediada em Padova, custeada pelo próprio tradutor, um entusiasta da obra de Pozenato e um estudioso da saga da imigração italiana no Brasil.
A edição de "La Cuccagna" em italiano, para os italianos
(Foto: Antonio Porcellato)
O evento de lançamento terá lugar a partir das 20h45 (horário local) na Sala Consiliare da pequena comuna de Roncà, na província de Verona, região do Vêneto, espaço que sedia as reuniões do Conselho Comunal, similar às Câmaras de Vereadores brasileiras. Os convidados serão recepcionados pelo tradutor, que oferecerá vinho e os doces conhecidos como “Romeu e Julieta”, afinal, Verona é a cidade (capital da província de mesmo nome) que ambienta os românticos e trágicos acontecimentos que pautam a eterna peça teatral shakespeariana “Romeu e Julieta”.
A escolha da pequena Roncà para o evento literário não é aleatória ou apenas providencial, como se poderia julgar a partir do fato de Porcellato residir em Padova, também na região do Vêneto, distante cerca de apenas 61 quilômetros. Da mesma forma como a escolha dos doces ser embasada em um significado literário, a definição do local para o lançamento de “La Cuccagna” obedece ao mesmo critério, afinal, foi da pequena aldeia de Roncà que partiram os personagens migrantes de Pozenato rumo a “la Mérica” e a “il paese della cuccagna”, como descrito já nas primeiras páginas do livro. O tradutor julgou significativo (e de fato é) dar início à saga de divulgação da obra justamente por ali, entrelaçando ficção e realidade, da mesma forma como fez Pozenato nos livros da trilogia.
O convite para o evento de lançamento, em Roncà, na Itália
(Foto: Divulgação)
UM APAIXONADO PELA SAGA
DA IMIGRAÇÃO ITALIANA
Antonio Porcellato, 69 anos, o tradutor, é um ex-funcionário dos correios italianos, há dois anos aposentado, período em que conseguiu dedicar maior atenção e impor um ritmo mais acelerado à tradução dos três livros de Pozenato, a que vinha se dedicando já há algum tempo. O trabalho já está todo concluído e Porcellato decidiu começar as publicações seguindo a cronologia da narrativa, apesar de saber que “O Quatrilho”, o segundo na ordem, é o mais afamado por ter sido escrito por primeiro e devido ao fato de ter chegado às telas do cinema, concorrendo ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1996.
O tradutor italiano Antonio Porcellato
(Foto: Arquivo pessoal)
Foi por meio do filme, por sinal, que o tradutor italiano passou a conhecer tanto a obra quanto o autor gaúcho, de quem acabou ficando amigo, conforme ele mesmo explica em entrevista exclusiva concedida na tarde da última segunda-feira (24 de fevereiro de 2025) a este Portal, de sua residência em Padova, via ligação por whatsapp:
“Foi por volta do ano de 2008 que um amigo meu, sabedor de meu interesse em pesquisar a imigração italiana ao Brasil, me falou sobre o filme ‘O Quatrilho’ e me enviou uma cópia para que eu assistisse. Depois disso, me interessei em saber mais sobre o escritor e o livro sobre o qual o filme havia sido embasado e, em uma viagem que fiz ao Brasil por volta de 2010, para visitar meus filhos que moram e residem no centro do país, decidi ir até Caxias do Sul, conhecer pessoalmente o Pozenato.
Mostrei a ele traduções que eu já havia feito ao italiano de peças teatrais brasileiras e de um livro sobre a história da imigração italiana. Comentei com ele que a emigração italiana para o Brasil é pouco conhecida na Itália, só se estuda a emigração aos Estados Unidos, o que é uma incongruência, pois o número de emigrantes italianos ao Brasil é muito maior do que o daqueles que foram para os EUA. Externei minha intenção de traduzir suas obras ao italiano, e recebi dele uma carta de anuência, dando sua permissão para que eu empreendesse o projeto. Infelizmente ele faleceu pouco antes de ver o primeiro fruto desse meu esforço virar realidade”.
A relação de Porcellato com o Brasil é antiga, vem desde seus tempos de juventude, quando residiu por dois anos e meio no Espírito Santo, prestando trabalhos voluntários (uma lei italiana, de 1972, permite a quem prestou serviço voluntário no exterior, por um período de no mínimo dois anos, obter dispensa do serviço militar de um ano, quando ainda era obrigatório). Aqui, passou a se interessar pelos assuntos relacionados à imigração e adotou como meta pessoal dedicar-se à divulgação dessa parte da História tão significativa para o Brasil e ao mesmo tempo inversamente tão pouco conhecida em seu país natal. O primeiro capítulo dessa saga atual em nome da historiografia e da literatura tem lugar agora, com o lançamento de “La Cuccagna” em italiano, na pequena e significativa Roncà do casal Aurélio e Rosa Gardone, os imigrantes de papel criados por José Clemente Pozenato na trama inicial da já imortal trilogia.
“UM TRABALHADOR INCANSÁVEL”
O escritor José Clemente Pozenato faleceu em 25 de novembro de 2024, aos 86 anos, devido a complicações médicas após procedimento para a troca de uma válvula no coração. Plenamente ativo até as vésperas de sua internação, o escritor dava andamento a diversos projetos literários, entre eles a coluna de opinião cultural que publicava semanalmente neste Portal, a edição de novas obras que estavam em curso, a reedição de títulos antigos, traduções de outros autores e o acompanhamento das traduções de seus próprios livros. No final do ano passado, havia recebido de Porcellato a tradução de “La Cuccagna” para revisar e aprovou o trabalho.
A professora aposentada, escritora e pesquisadora Kenia Pozenato, viúva do autor, definiu com importantíssimo o trabalho de tradução dos livros de Pozenato desenvolvidos por Porcellato, em depoimento exclusivo ao Portal:
“O Pozenato foi um trabalhador incansável, até os últimos minutos de sua vida. Ele estava no hospital lutando pela saúde e pensando no andamento de seus projetos, em suas obras, naquilo que ainda não estava publicado. Essa tradução de “A Cocanha” ele fazia questão de que saísse na Itália. Para a vida, para a lembrança e para a memória do Pozenato, isso é muito importante. Também vai ser importante para a Itália, para que eles lembrem e mesmo conheçam melhor o que aconteceu na época da emigração, as razões pelas quais ela aconteceu”.
“IL CASO DEL MARTELLO”
“La Cuccagna” vem agora se juntar à outra obra de José Clemente Pozenato já traduzida para a língua italiana, “O Caso do Martelo”. Novela literária lançada em 1985, ganhou uma adaptação para a televisão e foi ao ar em 1991 como um especial pela Rede Globo, dirigido por Paulo José e com o ator Lima Duarte no papel do Delegado Pasúbio, o personagem elucidador de “casos” serranos na relevante obra policial de Pozenato.
"O Caso do Martelo" foi o primeiro livro traduzido de Pozenato
(Foto: Divulgação)
A versão do livro para o italiano (“Il Caso Del Martello”) ficou a cargo de Brunello Natale De Cusatis, nascido em 1950 em Fuscaldo Marina (província de Cozensa, na Calábria), graduado em Língua e Literatura Portuguesa pela Universidade de Perúgia. A tradução foi lançada no ano de 2008 em edição bilíngue (português/italiano) pela Morlacchi Editore, sediada em Perúgia, na Itália.